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TROPAS E CARROS DE BOI
NO PLANALTO CENTRAL
POR ROBSON ELEUTÉRIO
A história da colonização do centro oeste do Brasil começou na segunda década do século XVIII, a partir da descoberta de pedras preciosas em Cuiabá (1719) e Arraial de Santana, atual Cidade de Goiás (1726). Essa imensa região pertenceu a Capitania de São Paulo até o ano de 1748, quando foram criadas as Capitanias de Goiás e Mato Grosso.
As principais estradas do sertão que chegavam as cidades litorâneas eram a Picada da Bahia, Estrada Real de Minas e Caminho dos Paulistas, ambas se convergindo para o Arraial de Meia Ponte (Pirenópolis) e Vila Boa, antiga capital de Goiás.
Desses locais saíam duas picadas principais: o Estradão de Cuiabá, que ligava as minas goianas à Vila de Cuiabá, atravessando o rio Araguaia na cidade de Registro (GO), na divisa, próximo a cidade de Barra do Garça (MT); e a Estrada do Norte, que dava acesso à Santa Maria de Belém do Pará, passando pelas minas do Tocantins (Cavalcante, Arriaias, Natividade...). A partir de Porto Real (01) esse roteiro era feito navegando o rio Tocantins.
A grande distância que separava o Brasil Central das principais cidades do país, como Rio de Janeiro, Salvador e Santos, deixavam as viagens extremamente longas, cansativas e algumas perigosas. Em muitos pontos, essas antigas picadas seguiam por locais inóspitos, subindo serras íngremes, transpondo vales profundos, atravessando rios a nado, e ainda havia o risco de roubo, picada de cobra e ataques indígenas. |
Para se chegar aos Arraiais mineradores destas capitanias, utilizava-se as tropas que transportavam víveres e outras mercadorias, pelas precárias picadas que adentravam o imenso e desconhecido sertão brasileiro.
Foi nesse contexto histórico que surgiu o Arraial Velho, um antigo pouso de tropa, onde hoje se situa a cidade de Água Fria, no decorrer da segunda metade do século XVIII.Era um local de descanso para as tropas que se deslocavam para as ricas minas de Traíras e São José do Tocantins, hoje Niquelândia. Bastante comum, na época, era as pessoas viajarem a pé, acompanhando a tropa burriqueira, pois o Burro era um animal mais barato e rústico; ou também acompanhando a tropa de muares, utilizada nas regiões mais ricas, com o espírito empresarial, transportando grande quantidade de mercadorias.
Na cartografia da região centro oeste da América Portuguesa dos séculos dezoito e dezenove, encontramos a denominação Arraial Velho no mapa do militar luso-brasileiro Raimundo José da Cunha Mattos, governador das Armas de Goiás no anos de 1823 e 1824. Cunha Mattos visitou todos arraias auríferos goianos, e conheceu de forma detalhada a região localizada nas imediações de Traíras, onde escreveu a valiosa obra Corografia Histórica da Província de Goiás. |
Pelo Arraial Velho passava uma antiga estrada cavaleira que saía do Sítio Novo, localizado no trecho da Picada da Bahia entre Couros (Formosa) e Mestre d'Armas (Planaltina), e seguia para as minas do Tocantins, margeando o Rio Maranhão. A mina de ouro mais produtiva próximo ao Arraial Velho era as minas do Muquém, aparecendo ao londo do seu trajeto as denominações Bichos, Prata, Bom Jesus, Mangabeiras (ver mapa).
Depois, o Arraial Velho passou ser o nome de um importante rio, tributário do Rio Maranhão, que corta todo o município, e hoje tem um significado especial para os moradores da Água Fria e redondeza.
O movimento de tropas e carros de boi nessa região durou quase duzentos anos, começando a declinar a partir do ano de 1930, quando foi aberta a primeira estrada de rodagem para o norte de Goiás (02). Ainda assim, até a década de 60, era comum transitar por essa rota, principalmente no mês agosto quando os peregrinos das imediações se dirigem para a Romaria do Muquém.
Para o descanso dos viajantes, que caminhavam em média 5 léguas (30 km) por dia, foram surgindo pousos de tropas ao longo das picadas que chegavam ao sertão do Planalto Central. Havia alguns pousos mais estruturados e movimentados, enquanto que outros eram mais simples, improvisados em baixo de árvores, mas ambos deveriam ficar próximos a fontes de água. |
Uma rota muito comum nessa época, percorrida por inúmeras tropas e carros boi, saia do norte de Goiás, passava pelo Arraial Velho, abarrotados de couro, e seguia para Mestre d'armas, e depois para Ipameri, onde ficava última estação da Estrada de Ferro Goiás. De lá trazia-se o sal e produtos industrializados fabricados no Rio de Janeiro e São Paulo, e também os importados.
Como as mercadorias importadas ficavam depositadas nos pontos terminais da via férrea, as tropas e carros de boi ali as recebiam dos comissionários e as levavam ao destino final, os povoados esparsos na imensidão do território goiano. (02)
Um grande memorialista da história da região, o Sr. Adolvando Alarcão, relatou-nos que, até pouco tempo, havia em Ipameri, a Praça Planaltina, cujo nome foi dado devido ao grande número de carros de boi pertencentes a comerciantes de Planaltina que lá ficavam estacionados à espera de mercadorias que eram transportadas para o centro e norte do Goiás. Havia uma relação bastante estreita entre Planaltina e Ipameri, desde o início do século XX.
Em várias cidades do interior do Brasil, em todo momento, inúmeros carros-de boi transitavam pelas principais ruas da cidade transportando mercadorias, conduzidos pelo carreiro, uma profissão muito comum, já que era o meio de transporte mais utilizado.Já estávamos em pleno século XX, o Brasil já era uma Repbública, entretano, o automóvel ainda era praticamente desconhecido pela população, havendo pouquíssimas unidades no Brasil.
Em Planaltina, na Rua Eugênio Jardim, havia uma placa com os dizeres: é proibido passar carro-de-boi. Era natural essa proibição em várias cidades do Brasil, uma vez que o rangido das rodas produzia um estridente barulho que incomodava bastante os moradores. Naquela época Planaltina era uma só, englobando as terras de Planaltina/GO, Planaltina/DF e Água Fria, e também os povoados de São Grabriel, Córrego Rico e Mato Seco.
O tropeirismo e o carro de boi se tornaram fundamentais para o transporte de cargas, por mais de três séculos na história do Brasil, tendo diminuindo sua importância na medida que o automóvel se popularizava, nas décadas de 50 e 60. |
(01) Localidade próximo a cidade de Porto Nacional/TO.
(02) O Automóvel em Goiás. Sílvio Fleury Curado.
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